sábado, 27 de abril de 2013

Bill 'Nice Guy' Faulkner

Não tem pra ninguém. De todos, TODOS os escritores vivos e mortos, do passado ou futuro, o meu favorito é o velhinho bonachão aí ao lado. Bonachão é meio que forçar a barra, visto que seus vizinhos em Oxford o achavam esnobe e pretencioso, mas está valendo, o cara ganhou um Nobel, for real, sem aquele lance que rolou com o Steinbeck. Olha a frase dele, que mimo, sobre a perda do emprego que tinha nos Correios.
I reckon I'll be at the beck and call of folks with money all my life, but thank God I won't ever again have to be at the beck and call of every son of a bitch who's got two cents to buy a stamp. 




domingo, 21 de abril de 2013

Timeline da palavra impressa

De todas as artes, a literatura é, sem desmerecimentos, a de execução mais barata. Vejam o que disse Faulkner à Paris Review sobre isso:
Segundo minha própria experiência, as ferramentas de que preciso para o meu negócio são papel, fumo, comida e um pouco de uísque.

Com apenas isso ele ganhou um Nobel. Hemingway também ganhou um Nobel com mais ou menos isso aí. A única coisa que ele precisava à mais eram alguns animais selvagens e armas de fogo para matá-los. Cada autor tem suas necessidades, mas vários escreveram obras-primas a beira do desespero e da inanição.

Outras artes dependem de tintas, pincéis, telas, mármore, palcos, platéia, instrumentos musicais, amplificadores, películas em 35mm, cenários, péssimos atores ganhando cachês milionários, extras, de forma que o Ars gratia Artis fica meio prejudicado com todos esses requisitos.

Nada impede de que alguém consiga fazer cinema por conta própria. Clerks está aí para provar, mas...

O fato é: Temos literatura acessível porque temos papel, tinta e máquinas para juntá-los de forma barata e eficiente. Sem isso, estaríamos ainda nas mãos dos monges copistas, que não deixariam a gente ler Nietzsche. Nem Sartre, Kazantzakis, Anatole France, Balzac, Zola e nem um monte de outros ótimos autores.

Você pode dizer que papel é coisa do passado, mas não teríamos livros digitais, da mesma forma que não haveria cinema 3D se não existisse cinema.

Fuçando no reddit, achei essa timeline da história da impressão, que mostra como a tecnologia veio evoluindo desde os carimbos chineses de madeira até as atuais impressoras 3D. Muito interessante e vale uma olhada.

sábado, 20 de abril de 2013

O cara que serviu o rei

contei como consegui 'Eu servi o Rei da Inglaterra'. Só comprei porque tinha esse selo de qualidade:
Uma das encarnações mais autênticas da magia de Praga, numa união extraordinária de imaginação barroca e humor franco, direto.
Milan Kundera

Eu servi o Rei da Inglaterra? Pode comprar! 

A tragicômica vida de Ditie, um ajudante de garçom que tinha tudo para não chegar a lugar nenhum mas chega a ser dono de um hotel e rejeitar uma oferta irrecusável de John Steinbeck, é contada nos longos parágrafos de Bohumil Hrabal, que conseguiu escrever dois livros inteiros com uma frase cada(Esse e esse).

Arrivista, Ditie abraça todas as oportunidades de ganhar dinheiro, seja para gastar com prostitutas, cujos encontros no bordel Paraíso tem descrições bem cruas dos detalhes, seja para espalhá-lo no chão do quarto, imitando um hóspede do hotel.

Como um Thomas Sutpen da Bohemia, Ditie faz tudo para conseguir a respeitabilidade. Junta mais e mais dinheiro para comprá-la. Não consegue.

Com a cabeça na Lua, cobrindo o chão com notas de cem coroas e aprende avidamente com seu mestre, que sabe tudo, pois serviu o Rei da Inglaterra. Ditie tem bons dias, até que consegue servir o Rei da Etiópia(a respeitabilidade, enfim) e ganha uma medalha e perde o mestre.(Como podem ver, ele não conseguiu de novo.)

Aprende alemão, e estranhamente, é o único do restaurante que os atende. Sua pobre namorada alemã, Lise, come sopa fria e os garçons enfiam o dedo em sua comida. Porque será, pensa Ditie. Ah, claro, a Tchecoslováquia está sob ocupação nazista.

Se casa com Lise, que se torna instrutora de ginástica nazista, para ser considerado como um igual pelos alemães e mostrar aos tchecos do que era capaz.

Não consegue. Invejado e ignorado pelos alemães, não necessariamente nessa ordem, porque ele tinha se casado com uma alemã, continua sua vidinha. Os tchecos tampouco iam com seus cornos, já que ele tinha se casado com uma alemã, de modo que ele não valia muito mais que meio salame.

Após vários percalços, compra um hotel para conseguir a respeitabilidade tão sonhada. Não consegue. Seus antigos patrões o ignoram solenemente, devido ao seu passado colaboracionista, e por inveja também. E a vidinha mais ou menos continua mais ou menos da mesma forma.

O livro vai num clima de quase pornochanchada, cheia de alegria e fluidos, nos primeiros capítulos, descambando para um drama bem desgraceira(bem no estilo Dostoiévski), até uma reflexão existencialista no último capítulo que me lembrou muito Camus(Sem pedras, por favor).

Uns trechos para empolgar, ou desistir de vez:

O gordo sorriu olhando para a máquina e disse: A maior empresa do mundo é a Igreja católica, que faz comércio com algo que homem algum jamais viu, homem algum jamais tocou e que homem algum jamais encontrou, desde que o mundo é mundo, e essa coisa se chama Deus.

Aqui, no Hotel Tichota, também aprendi que quem inventou que o trabalho enobrece foram as mesmas pessoas que bebiam e comiam a noite inteira com belas mulheres no colo, os ricos, que podiam ser felizes como criancinhas.

sábado, 13 de abril de 2013

Suave é a noite, dura é a decepção

Terminei há pouco Suave é a noite, do Fitzgerald. Sensacional. Com um título baseado em um dos versos de Ode to a Nightingale do Keats. (Não, não li nem lerei Keats, estava citado no livro.)

Fitzgerald nos brinda (e como brinda) com um drama denso com traços fortemente autobiográficos: uma mulher esquizofrênica, amigos inúteis, um casamento conturbado, uma carreira abandonada pela metade, festas enfadonhas e uma atriz que se torna uma amante, tudo isso acompanhado por garrafas e mais garrafas de gin, clarete e vin du pays.

O livro é dividido em 3 partes, com um estilo narrativo tão diferente, que nem parece o mesmo autor.

Na primeira parte, temos a apresentação dos Diver (que nem mergulham tanto assim) e seu pequeno sistema diveano de tipinhos inúteis, orbitando Dick: os North, os McKisco e Tommy Barban. Recém-chegada ao grupo, temos a jovem estrela Rosemary Hoyt, que se oferece à Dick, causando certo desconforto em Nicole Diver.

Achei essa parte um saco, tanto que twitei que estava na página 110 e não estava nem aí para os personagens. Na realidade usei outras palavras, mas deixa pra lá. O único personagem mais um pouco aprofundado nessa parte é a insossa Rosemary, com aquela fixação desgraçada em sua mãe e aquele chove não molha com Dick.

Já a segunda parte, onde os personagens são realmente apresentados, é bem melhor. Nela é narrado o início de carreira de Dick Diver, como ele conheceu Nicole e onde isso tudo foi parar. O alcoolismo já começa a se apresentar e o relacionamento dos Diver já está ladeira abaixo.

Na terceira, temos a derrocada e a grande decepção. Estático, Dick vê sua vida, esse frágil castelo de cartas, desabar em um fragoroso silêncio.



quarta-feira, 10 de abril de 2013

Sábado com John Bookworm

Ao contrário do usual, fui à rua. Isso não tem dado muito certo. Já saio o suficiente durante a semana. Desci do ônibus, atravessei  a rua. "Por que não passamos na Flamingo? Só pra olhar." John Bookworm. Ferrou, pensei. Perto demais. Devia ter dado a volta no quarteirão, o cheiro de papel vai longe.

Pra quê? Ainda tenho livros para duas semanas. Leio devagar, até lá penso no que vou querer. Estava pensando em alguma coisa do Faulkner, tipo 'Os Invencidos' ou Sartre... "E arriscar? Lembra daquele fim de semana em que você ficou sem nenhum livro?"

Mas não era só pra olhar? Que papo é esse? "Claro que é só pra olhar. Mas..."

John Bookworm é a contraparte literária do John Barleycorn. Em vez de te encher de cachaça e largar na sarjeta mais próxima vomitando as tripas, ele lota suas prateleiras de livros e te larga sem dinheiro para comer. É ele que faz os seus pés se dirigirem automaticamente para a livraria mais próxima, por mais que você esteja com fome e o churrasco de gato da esquina esteja com um cheiro bom dos infernos. Ele já me fez gastar 3 dos meus últimos 5 reais no livro "A Máquina Fantástica".

Ele inspirou aquela frase muito maneira do Erasmo de Rotterdam, e preside a todos os tsundoku cometidos pelo mundo afora. Tsundoku é uma espécie de seppuku, só que em vez da barriga com uma faca, você abre um rombo no orçamento.

Quando tenho pouco dinheiro, compro livros. Quando tenho um pouco mais, compro comida e roupas.
Erasmo de Rotterdam

Vencido pelos argumentos sólidos de Bookworm fui a livraria. Só pra olhar. Mas chegando lá, achei dois volumes. Catástrofes (nem tanto) naturais, da Patrícia "Ripley" Highsmith e Eu servi o Rei da Inglaterra de Bohumil(?) Hrabal(???).

"Catástrofes..." são 10 contos que ocorrem fora do policial noir, habitat de Highsmith. Se focando nos crimes sociais, são respingantemente recheados do humor negro da minha escritora favorita.

Já "Eu servi..." conta a história de um nanico ajudante de garçom de baixa estatura que através de diversos percalços e um casamento com uma professora nazista de ginástica, chega a ser dono de um hotel de luxo. Pra falar a verdade, comprei mesmo porque tinha uma recomendação do Milan Kundera. E porque John Bookworm insistiu muito.

Voltei pra casa, feliz e com a carteira um pouco mais leve.